sábado, 8 de outubro de 2011

Então, Pedro, até setenta vezes sete


Hoje recebemos, com alegria, um texto de Rodrigo Davel que abrilhanta  o Blogue: http://bixudipe.blogspot.com/
Rodrigo, muito obrigado por ter dito sim ao convite!
Seja bem vindo!


Então, Pedro, até setenta vezes sete

Perdoe-me se não o perdoei (?). É que sou contaminado pelo tempo em que estamos, que nos adoece. Qual é o limite do mocinho? Então, quando se é, pois, vilão? Nosso tempo, leitor, não nos deixa opção: somos mocinhos e somos vilões. E quem decide não é você! Outros decidem. Portanto, julgue-me vilão, se for o caso, mas não diga que sou mocinho. Não sou mesmo! E nem ligo para isso, porque você também não o é. Somos aquilo que podemos ser e aquilo que em nós querem ver.
Permita-me, então, discorrer ‘sobre’. Porém, poupo-o dos exemplos-clichês. Não é que eu esteja julgando o (mau) caráter de ninguém. Também não absolvo. Mas percebemos em nosso tempo o prazer da disputa, não necessariamente da conquista. Pois sempre há uma nova disputa por alguma coisa qualquer. E exatamente por isso, prefiro crer em mocinhos desvirtuados a crer em vilões sossegados. Porém, não afirmo ser inato a ninguém o mau-caratismo. Também não reforço a ideia behaviorista, porque sou, pois, adepto da corrente interacionista, ou construcionista, de Piaget ¹: “Somos tábulas rasas”(?)² que a vida trata de encher, além de ‘construir’ a refeição que serviremos aos próximos. Quando, destarte, um mocinho permitir-se maldar, deixará de ser mocinho.
Acontece que, a cada dia, vejo os mocinhos com os quais convivo mostrarem garras “ala Wolverine”: fazem o bem, desde que não sejam incomodados. O melhor amigo pode ser também inimigo. Eis o melhor molde para nosso tempo. Estamos nos Wolverizando a cada dia, a cada escolha, a cada rancor não tratado. Exibimos o orgulho de sermos heróis e temos garras poderosas para o ataque ao inimigo. Definimos o inimigo pelo potencial de disputa, o mesmo que, antes, nos unia.
O papel do mocinho sempre foi defender-se (defender-nos), não é? Então, afinal, o que há conosco? E o amor ao próximo, ao irmão, onde está? Os mocinhos estão recorrendo a Eclesiastes logo cedo, às 7h20. Já acordam com a máxima: Olho por olho, dente por dente. Em um momento de mocinho, sinto-me pequeno, fraco, um “moço-inho”. Ah! Mas ser vilão é bem mais ão: é ser mandão, sentir-se grandão, ser campeão, o espertão... é ter solução. Entretanto, semelhante leitor, o mocinho é quem faz uso do ão mais forte e valioso. O mocinho vive com o coração. E isso, mocinho, não está em disputa. Portanto, vilão, destrua-me meu caminho, mas nunca vencerá meu coração.
Assim, indago-me constantemente: sujeito, quem encheu sua tábula com tanta porcaria? Agora, por que serve isso aos próximos? Afinal, a interação não é somente explicita. Talvez seja muito maior a responsabilidade da interação implícita. Ao atingirmos a maturidade necessária para distinguirmos o joio do trigo, transferimos ao ego a responsabilidade das decisões. Ou seja, por mais lixeira que tenha sido cada tábula, sempre é tempo de limpeza, reciclagem e reformulação. Então, tudo bem (!) se suas influências não foram adequadas, ou as melhores. No entanto, continuar na lama é opcional.  “Certidão de nascimento não é atestado de ignorância”³.
Sendo assim, o mal de nosso tempo é agudo, mas ainda não é crônico. Juntemos as forças, mocinhos, e tratemos os vilões em nós. Mas não sugiro a utopia de medicarmos uns aos outros. Não! Cada mocinho com sua patologia, até porque adoecemos simplesmente e ninguém pode diagnosticar a mazela por antecedência. E, assim, e somente após, perdoe-me. Pois já terei também perdoado a todos.

Rodrigo de Assis Davel, Cachoeiro de Itapemirim, 04 de outubro de 201.


1-      Piaget formula o conceito de epigênese, argumentando que "o conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas". (Piaget, 1976, apud Freitas 2000:64)
2-      O filósofo inglês John Locke (1632-1704), considerado o protagonista do empirismo, foi quem esboçou a teoria da tábula rasa (literalmente ardósia em branco em português). Para Locke, todas as pessoas, ao nascerem, o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impressão nenhuma, sem conhecimento algum. Então, todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e pelo erro.
3-      A expressão “certidão de nascimento não é atestado de ignorância” é de autoria do professor Fábio Brito, que ainda costuma completar a frase com outra expressão, mas na forma denotativa: “Não nasci na Idade Média. No entanto, dou aula sobre Trovadorismo”.

10 comentários:

  1. Evertão, meu amigo, fiquei feliz em receber o convite e de forma alguma iria recusá-lo. Meu único receio foi não corresponder a altura.

    Abração,

    Rodrigo Davel

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  2. Grande modéstia que o consome, hein Rodrigo,ou não?! rsrsrs
    Nada melhor do que o bom exercício da prática, para adquirir habilidade sobre a diversidade da escrita, não é mesmo?

    A realidade existe para poucos que querem vê-la e muitos são os mocinhos (as) que não querem exergar os vilões dentro de si, mesmo, enquanto eles estão visíveis as pessoas ao seu redor.

    Parabéns!!!

    Abraços,

    Marciele

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  3. Belo texto, como diisse Machado de Assis:
    "Os acontecimentos humanos dependem de
    circunstâncias furtuitas e indiferentes.
    Chame a isto acaso ou providência; nem por
    isso a coisa deixa de existir".
    Ficou Ótimo! bjs!!

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  4. Olá Ricardo,

    Li seu texto duas vezes.
    Está, eruditamente, muito eruditamente, escrito.
    Para mim, que sou Professora de Língua Portuguesa lhe daria uma boa nota. Não vou dizer quanto. Há coisas, que não se quantificam, fora de um contexto.
    Recorreu a Piaget, para explicar determinadas afirmações suas. Muito bem.
    Será, que todos sabem, quem foi Piaget e qual a sua importância.
    Olhe, que os mocinhos, a maior parte deles não sabe.
    Mas há mocinhos e mocinhos!

    Abraços de luz.

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  5. Liese , bela escolha para postar.
    O texto do Rodrigo é belíssimo
    Piaget,foi um grande homem.
    Assim como Sócrates foi um grande filósofo.
    Piaget, foi um grande pensador.
    E os mocinhos graças a Deus existem, e conseguem êxitos embora a dura realidade sempre nos deixe, tristonhos perante os fatos.

    Lindo texto.

    Beijinho

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  6. Magnífico texto, indubitavelmente, Rodrigo.
    Mocinhos e vilões existe apenas dentro de nós, e passam a perder o sentido quando defrontados com a realidade da vida.
    Filosofia nunca é demais.
    Abraço.

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  7. parabéns pelo texto!!!!

    gostei do seu blog...


    deixo aqui meu carinho...

    eu...

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  8. Parabéns pelo belíssimo texto, Rodrigo. Gostei muito. Realmente, o vilão e o mocinho, os papeis num momento podem ser trocados, mas estamos sempre brigando para que tudo acabe bem.
    Obrigado pela indicação.
    Lindo Blog.

    Abraços!
    Helio

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  9. Texto reflexivo e bem escrito. Anjos e demônios habitam nosso interior e vivemos em constante luta para que nossas qualidades vençam esses adversários exigentes e impositivos.
    Bjs.

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  10. Oi Li, desculpe pela demora, eu estava com problemas de conexão e nem conseguia acessar os blogs que tanto gosto...

    Mas cá estou! Me tenha rsrs

    Belo post.O Davel sempre arrasa né!

    bjs meus



    Cat

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